O mundo do Exercício Físico & Saúde enfrenta atualmente um paradoxo complexo. Se por um lado o exercício é promotor de saúde e bem estar físico e emocional, por outro, pode ter como consequência exatamente o efeito contrário: o despoletar de doenças e lesões. Então, qual será a importância do descanso depois do treino?
Especialistas em exercício físico têm investigado este paradoxo extensivamente, concluindo que o treino “sozinho” não consiste no problema, a questão prende-se antes, com o descanso insuficiente. Constata-se que a qualidade da recuperação é pois, tão importante como a qualidade do treino, e os profissionais de exercício precisam compreender esta inter-relação.
Sabe-se hoje que a prática de exercício, quando bem orientado e prescrita, tem inúmeros benefícios em termos de saúde e performance. Contudo, este funciona, simultaneamente, como agente stressor ao corpo humano, interferindo no equilíbrio interno de todos os processos fisiológicos e bioquímicos – Homeostase.
Assim sendo, a prática de exercício pode alterar drasticamente a Homeostase, e colocar o corpo em Alostase. A mesma, definida como “a habilidade de alcançar a estabilidade através da mudança” (McEwen 1998), é de extrema importância para a sobrevivência do ser humano.
Um bom e simples exemplo de Alostase, é a manutenção da temperatura corporal, que apesar das variações das condições climáticas do meio ambiente, ela, via de regra, mantém-se constante no seu estado natural – cerca de 37ºC.
Um treino com volume e intensidade adequadas à condição física do praticante, e com protocolos de recuperação específicos, irá desencadear um processo adaptativo que permite o corpo reconstruir-se, reparar-se e reforçar-se, alcançando um maior nível de performance. O contrário, ou seja, um treino desadequado à condição física do praticante e sem o devido descanso, terá efeitos nefastos para o corpo humano.
A recuperação adequada, é pois fundamental para minimizar a acumulação de subprodutos produzidos pelo agente stressor (exercício físico), atuando também ao nível dos stressores mentais, emocionais e ambientais da vida dum praticante de exercício.
A recuperação dos treinos torna-se pois tão importante quanto os próprios treinos, e envolve três etapas:
1º Estabelecer objectivos e um plano de treino estruturado e adequado aos mesmos, incluindo períodos de transição entre ciclos de treino;
2º Adoptar um estilo de vida saudável, em que não negligenciamos a qualidade e a quantidade de horas de sono, a alimentação e o bem estar mental / psicológico;
3º Entender como o treino afeta a fisiologia interna em tempo real, e responder com tempos de recuperação adequados.
Desenvolvimento um cronograma de Periodização
Os planos de treino devem estabelecer com precisão os níveis de performance atuais e definir metas realistas. Estes devem seguir uma programação especifica, intercalando períodos de maior intensidade com períodos de recuperação, dentro de cada semana e ao longo de um ciclo de semanas.
Condições de vida e o plano de recuperação
As condições de vida de um praticante de exercício podem atrapalhar um excelente plano de treino / recuperação.
SONO
O sono permite que o corpo se reconstrua e reforce. Estudos dizem que 7 a 9 horas de sono são fundamentais para o equilíbrio bioquímico, elevando os níveis de substâncias, como a hormona do crescimento, e reduzindo substância químicas inflamatórias como o cortisol, IL-6 e TNF-a (Dement 2000; Gonnissen , et al. 2012).
O sono permite ainda um aumento da ressíntese proteica, um relaxamento do sistema nervoso e um aumento da função imunológica, promovendo uma ótima recuperação do tecido muscular (Hausswirth & Mujika 2013).
NUTRIÇÃO
Melhorar a performance física requer um equilíbrio adequado de nutrientes. Cada um tem um papel especifico na melhoria do desempenho, de abastecimento e recuperação entre treino (Hidratos de Carbono e Gorduras), e na construção e reconstrução do tecido muscular (Proteínas).
FEEDBACK FISIOLÓGICO
Obter um feedback fisiológico pode ajudar a delinear uma estratégia de descanso e recuperação. Pode passar por diariamente realizar uma simples medição de frequência cardíaca de repouso e o preenchimento de um questionário.
Um aumento da frequência cardíaca em repouso (FCrep.) de 5-10 batimentos, ou mais, por minuto, tem sido usado para demonstrar uma coação fisiológica interna. Determinando a FCrep., e usando um questionário de estilo de vida, onde possamos avaliar os agentes stressores mentais, a nutrição e a qualidade de sono, podemos perceber se aumento da intensidade de treino pode ser últil ou prejudicial.
Este é um método barato e fácil de aplicar, no entanto possui as suas lacunas, tais como a subjetividade do questionários. As análises sanguíneas são um método mais viável, medindo metabolitos presente no sistema circulatório, dando-nos um feedback interno mais real, no entanto é de difícil acesso e caro.
O desequilíbrio entre o treino e o descanso pode levar ao sobretreino, mais conhecido por overtraining. Este estado é o resultado de uma discrepância reincidente entre o stress e a recuperação ao longo do processo de treino (Lehmann et al, 1993).
Sinais como desânimo, falta de apetite, queda no rendimento na prática de exercício físico, insônias, desejo exagerado em descansar, ou alterações na frequência cardíaca de repouso, podem ser indícios de que algo está errado. O excesso da prática de exercício físico, se detectado a tempo, poderá ser corrigido numa semana, porém, se for negligenciado, pode levar meses para uma completa recuperação.
Por todos estes indicadores, a prática de exercício físico ideal, deve ter em conta fatores como a idade, o sexo, o estado geral de saúde, níveis de performance, tipo de treino realizado, disponibilidade para treinar e objetivos. Somente desta forma, a combinação ideal entre treino e descanso será encontrada e, o praticante de exercício físico será beneficiado com a obtenção dos seus objectivos.
Bibliografia
Dement, W. 2000. The Promise of Sleep. New York: Dell.
Gonnissen , H.K., et al. 2012. Effects of sleep fragmentation on appetite and related hormone concentrations over 24 h in healthy men. British Journal of Nutrition, 8 (1-9).
Lehmann M, Foster C, Keul J (1993). Overtraining in endurance athletes: a brief review. Med Sci Sports Exerc, 25(7): 854-862.
McEwen BS (1998) Protective and damaging effects of stress mediators. The New England Journal of Medicine, 338(3): 171-179